Imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, cuja celebração acontece em 12 de outubro.
“A primeira aparição da Virgem na América de que se tem notícia ocorreu
no México, em 1531. Na versão mais conhecida da aparição, o índio Juan Diego,
na manhã de 9 de dezembro, saindo de sua aldeia para assistir a missa, passou
pelo monte Tepeyac, onde ouviu um suave canto. Ao chegar ao topo da colina, viu
uma resplandecente Senhora que lhe disse para ir falar ao bispo de seu desejo
de que ali se construísse um templo em sua honra. O bispo Zumárraga não deu
crédito ao que lhe dissera o índio Juan, o qual se apressou a narrar pela tarde
a recusa do bispo à Virgem. A Senhora, então, pediu-lhe que insistisse. E,
desta vez, o bispo pediu ao índio uma prova do que estava dizendo. Na terceira
ida de Juan Diego à casa episcopal, ele foi carregado de flores que a Senhora
lhe ordenou que colhesse no alto do monte. Diante do bispo, o índio abriu o seu
poncho de onde caíram rosas inexistentes no México, estando ainda gravado no
tecido do seu poncho, a imagem da Virgem. Eis, em brevíssimas palavras, o
primeiro registro da Virgem de Guadalupe, a primeira aparição reconhecida da
Virgem na América.
Também na Colômbia, a intervenção da Virgem dar-se-ia a propósito de uma
imagem sua. Segundo relatos, o encomendero
Antônio de Santana contratou, no ano de 1560, o pintor da cidade de Tunja para
fazer um quadro da Virgem do Rosário e colocá-lo na capela que construíra na
cidade de Suta, onde fixara sua residência. Três anos depois, estava pronta a
tela: no centro, a Virgem, ladeada por Santo Antônio e Santo André. Mas em 1578, a mesma tela, já
deteriorada, foi transferida para outro oratório de Antônio de Santana, em
Chiquinquirá. Em 1582, Antônio de Santana morreu e sua viúva passou a residir
em Chiquinquirá. Três anos mais tarde, foi morar com a viúva, Maria Ramos,
mulher que andava em busca de consolo pela infidelidade do marido. Maria Ramos
punha-se a rezar todas as manhãs na capela onde se encontrava o quadro já praticamente
destruído, sem que se pudesse reconhecer as imagens pintadas. Foi então que, na
manhã do dia 26 de dezembro de 1586, uma índia convertida de nome Isabel
passando à frente da capela com o seu filho mestiço, o menino gritou para a
mãe, mostrando a imagem da Virgem, que irradiava de si uma grande luz. Maria
Ramos, que acabara de sair da capela, também se voltou para a imagem e, os
três, com a companhia da viúva do encomendero
e de outra mulher que vinham chegando, assistiram, entre extasiados e
perplexos, a auto-restauração do quadro.
Em Cuba e no Brasil, as histórias das padroeiras nacionais se iniciam
com o encontro de suas imagens. O menino negro, de 10 anos, Juan Moreno e os
irmãos índios Juan e Rodrigo de Joyos foram ordenados pelo administrador das
estâncias de Varajagua, na ilha de Cuba, a buscar certa quantidade de sal nas
salinas naturais da baía de Nipe. Era 1612. Quando chegaram na praia os três
foram surpreendidos por uma forte chuva e ventania, tornando o mar
agitadíssimo. Assim, foram obrigados a aguardar que o tempo melhorasse. Depois
de três dias, o sol ainda não havia saído, quando avistaram algo boiando sobre
as águas. Primeiro, pensaram que era um pássaro sobre as espumas, depois, uma
menina sobre uma prancha. Foi, então, que se aperceberam, admirados, que se
tratava, na verdade, de uma imagem de Nossa Senhora sobre uma tábua em que
estava escrito: “eu sou a Virgem da Caridade”. Os três recolheram a imagem e
notaram que as vestes de pano da imagem não estavam molhadas. Com a pressa de
mostrar a imagem encontrada, recolheram apenas um terço do sal requisitado.
João Alves, Domingos Garcia e Felipe Pedroso eram três pescadores
mamelucos da vila de Guaratinguetá, no Brasil, e também receberam uma missão.
Era outubro de 1717. O governador recém-nomeado, Pedro de Almeida Portugal,
estava atravessando a capitania de São Paulo e Minas do Ouro, para de Vila Rica
exercer seu cargo, e estava para passar pela vila. A Câmara pretendia fazer um
banquete em sua homenagem. Os três pescadores foram convocados para pegarem a
maior quantidade de peixe que pudessem. Os três puseram suas canoas nas águas
do rio Paraíba, mas não obtinham resultado algum. A época não era boa para
pesca. Mas deviam insistir em razão da visita do governador. João Alves lançou
sua rede novamente. Dessa vez, sentiu um peso em sua malha. Quando a puxou,
percebeu, no seu fundo, um pequeno objeto de cor escura. Os pescadores
identificaram-no como a imagem de Nossa Senhora sem a cabeça. João Alves atirou
de novo a rede. Veio então a cabeça da imagem. Os três guardaram-na no barco,
voltando-se para a pesca. Daí em diante o sucesso foi tal que os três, por medo
de naufragarem, retiraram-se, voltando-se para suas casas, com seus barcos
abarrotados de peixes. O título de “Aparecida” parece ter surgido nesses
primeiros tempos devocionais, denotando as circunstâncias do encontro dessa
imagem de Nossa Senhora da Conceição: aparecida das águas.
No século XVI, a devoção à Virgem Maria no Ocidente cristão ganhou força
no contexto das reformas. Momento em que a Igreja se sentia fraca e apontava para
uma disposição combativa. A reforma protestante não desenvolveu uma doutrina
coerente e homogênea em relação à figura de Maria, mas seu culto foi o tema que
mais severas críticas despertara desde o início do movimento, pois para os
reformadores, somente Cristo podia ser mediador e afirmar diferentemente era
desvirtuar e até negar a dignidade de Cristo como único salvador. A devoção à
Virgem e a crença na sua intercessão, desse modo, ao representar a mais
arraigada e preferente prática piedosa da tradição católica, tornou-se símbolo
mais visível de todo reformismo no interior da Igreja, símbolo, portanto, de
identidade católica.
Ainda que mesclando as antigas tradições com a ortodoxia católica, a
devoção à Virgem marcava sua presença no cotidiano colonial. E se foi preciso
reinventar em outros domínios para se adaptar à situação colonial, não seria
diferente no domínio da devoção mariana. Vale ressaltar, desse modo, a presença
de índios nas versões das aparições de Guadalupe do México e da de
Chiquinquirá, na Colômbia, participando do momento central do acontecimento
maravilhoso. Os índios dessas narrativas eram índios piedosos, convertidos ao
catolicismo, ou prestes a isso, que reconheceram na Senhora seu poder mediador.
Tais narrativas, pode-se com razão dizer, esposam o ponto de vista católico.
Mas essas histórias devocionais também deixam transparecer o entrecruzar de
culturas e a tentativa de trazer o índio para a fé católica. Nos séculos XVII e
XVIII, as manifestações prodigiosas da Virgem na América ibérica se multiplicariam.
Virgens índias, negras e mestiças foram, então, forjadas a partir do
contato entre a catequização católica e o imaginário colonial. Na América
espanhola, em comparação com a América portuguesa, o tema indígena se fez mais
forte, e parece possível pensar que Maria, ao falar ora com índios, ora com
negros, em uma sociedade colonial com dificuldade para integrá-los, abria um
canal para a Igreja católica chegar àqueles que estavam mais distantes do seu
discurso. A Igreja encontrava um meio de transformar o colonizado,
potencialmente rebelde, em aliado, no fortalecimento da sua presença nas colônias
americanas. Não seria casual, portanto, tantos episódios de aparição a índios, na
América espanhola, uma vez que a sua domesticação, inclusive como mão-de-obra, foi
aí uma preocupação mais constante.” (SOUZA, Juliana Beatriz Almeida de. Virgens
Negras do Brasil e de Cuba: relações entre catolicismo e política na construção
das padroeiras nacionais. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH,
São Paulo, jul. 2011. p. 2-5. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300249316_ARQUIVO_ANPUH2011JBAS.pdf>. Acesso em: 12 out. 2012).
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Prof. Paulo Renato da Silva.