Pular para o conteúdo principal

Dê-me símbolos de pertencimentos e te direi ao que não pertenço

“Santana de Parnaíba
Berço de heróis consagrados
Cidade dos Bandeirantes
Deste solo muito amado
Com orgulho festejamos
O dia dos Bandeirantes!”
(Trecho do Hino Oficial – da cidade de Santana de Parnaíba)
           
Acima temos um trecho do Hino Oficial da cidade de Santana de Parnaíba, a qual se declara Berço de heróis consagrados. Santana de Parnaíba é um município do estado de São Paulo, localizado na Região Metropolitana da capital paulista; dada sua localização estratégica as margens do Rio Tietê tornou-se ponto de partida das bandeiras que seguiam rumo ao Oeste Paulista e ao Mato Grosso durante o séc XVI. A cidade orgulha-se de ter sido o ponto de partida dos bandeirantes, orgulha-se dos seus “heróis”, dos seus “símbolos” nacionais.  A problemática está na estática história oficial mantida até os dias atuais, história esta narrada nas escolas e apregoada nas principais praças. Cabe mencionar que Santana de Parnaíba não é a única, visto que isso ocorre em inúmeras outras cidades. Entretanto, existe pouca ou nenhuma resistência a esta “história oficial” contada. História essa que não ousa questionar o orgulho tão festejado, e tampouco ousa discursar contra a imagem dos seus heróis consagrados, sobre quem foram e quais foram seus principais feitos.
A partir dessas reflexões proponho-me a discorrer sobre as invenções estáticas imaginadas e inventadas no discurso Estado-Nação do Brasil, como um projeto idealizado e sustentado dentro das regiões.  Pode-se considerar que as regiões sejam subproduções das invenções nacionais? Podem ser enxergadas como subproduto da invenção cultural do Estado-Nação chamado Brasil?  Essas perguntas são frutos das inquietações e insatisfações mediante os relatos oficiais sobre as origens e importância da região já que sua história “oficial” se restringe ao período das Bandeiras, lançando no anonimato as demais existências. Existe pouca ou nenhuma reflexão municipal sobre o período que antecede aos bandeirantes, e tampouco existe incentivo ou interesse por outros relatos que fujam à dominação do discurso colonial.
A história da cidade de Santana de Parnaíba, assim como tantas outras,  tem  sua criação no campo da invenção. Aponto aqui que essa e outras regiões sejam subprodutos da invenção oficial do Estado-Nação chamado Brasil, porque reproduzem e produzem discursos e alegorias não apenas na tentativa de legitimar e preservação dos ditos discursos oficiais, mas também numa falsa noção de engrandecimento que essas narrativas proporcionam, nas quais o passado glorioso é festejado. Benedict Anderson em Comunidades Imaginadas oferece uma importante reflexão para entender os processos das criações nacionais. Ele atribui a ideia de nação a três importantes elementos: “uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e ao mesmo tempo soberana (p. 32, grifo nosso). O elemento no qual enfatiza sua argumentação é justamente a concepção de Estado-Nação como uma comunidade imaginada.
Se existe um paralelo entre as “invenções” criadas e sua “manutenção”, de forma simples aponto para a reflexão do filósofo Hegel: “todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo, por assim dizer, ocorrem duas vezes”. Mas são nas palavras de Marx que este paralelo ganha significado, quando ele sustenta que na primeira vez acontece em forma de tragédia, e a segunda como farsa. Entendendo o fenômeno das criações do Estados-Nações como uma tragédia porque limita, marginaliza e invisibiliza populações no intuito de promover uma hegemonia da nação inventada. Não tem e não deseja espaço para qualquer narrativa que esteja fora do discurso inventado. Sendo assim toda e qualquer manifestação que fuja a essa figura imaginada de Estado não possui visibilidade repousando assim numa farsa. A provocação a qual me atrevo é requerer a insurgência dessas tidas por “outras” narrativas na construção das identidades regionais e seus principais símbolos de pertencimento, requerendo uma reflexão sobre a importância creditada aos seus ilustres personagens mediante esses “outros” relatos. Mediado por essa parte outrora invisibilizada. Enquanto outras narrativas não se manifestarem na construção dessa história, a farsa perpetua-se. 
Entendemos que conceber a identidade nacional-regional atrelada apenas ao processo de expansão territorial, como mantém a cidade de Santana de Parnaíba hoje, é continuar anulando toda e qualquer manifestação que não se enquadra na história oficial contada pela cidade. Que apenas atribui importância passado de conquistas coloniais proporcionado pelas Bandeiras. É não refletir sobre os relatos não oficiais das populações locais, sobre possíveis focos de resistências; aspectos locais culturais, musicais;  porque com certeza esses questionariam os privilégios garantidos pelo discurso oficial colonial propagado. Entre tantos símbolos inventados faz falta enxergar um que desperte  pertencimento.

Referências:

-Hino Oficial  de Santana de Parnaíba

Bibliografias:
-ANDERSON, Benedict: Comunidades Imaginadas. São Paulo. Cia das Letras, 2008.

-MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1851/1852). Karl Marx (1818—1883). Fonte digital: Nélson Jahr Garcia www.jahr.org jahr@jahr.org.

Raquel Santos Souza

Postagens mais visitadas deste blog

O «progresso» (Moreno, 1966: 143).

A política cultural da Revolução Cubana: o suplemento cultural "El Caimán Barbudo".

El Caimán Barbudo surgiu no ano de 1966, como encarte dentro do jornal Juventud Rebelde. O encarte tinha como objetivo mostrar a capacidade intelectual existente dentro dos novos escritores dos anos 50 em diante em Cuba, ou seja, o que o diretor Jesús Díaz realmente queria era que a juventude intelectual começasse a se desprender dos escritores mais antigos, como é o exemplo de José Martí.   El Caimán Barbudo teve suas crises logo no início, pois no primeiro ano Jesús Díaz teve que abandonar a direção do suplemento devido a artigos polêmicos, principalmente artigos de Herberto Padilla. A saída de Jesús Díaz deu origem à segunda fase do suplemento, quando se intensifica o controle da União de Jovens Comunistas sobre o jornal Juventud Rebelde.   A Revolução começou a se fixar em Cuba e a partir de então começava uma grande discussão para definir como seriam as obras revolucionárias, escolhas essas não somente de tema, mas também de linguagem, como se evidenciou no segundo ...