A noção de que a
história, ou seja, o processo de vida de mulheres e homens ao longo do tempo, possui
um sentido, uma direção, aparece em vários momentos e culturas. Em resumo,
trata-se da concepção de que todos os eventos e trajetórias individuais no
processo histórico estão interligados, e encaminham este processo para uma
meta, um objetivo final (ou telos, em
grego; por isso a denominação “teleologia”). Tudo aconteceria por um motivo:
aproximar a humanidade da realização de um objetivo último, de um estado final
de organização social.
Embora a concepção cristã
de história já possuísse um sentido, um telos,
na Idade Média, direcionando todos os eventos ao dia do Juízo Final, o momento
histórico, no Ocidente, que efetivamente eleva a importância das concepções
teleológicas de História é o século XIX. Neste período, desdobram-se as
reflexões conhecidas como “filosofias da história” (expressão surgida no final
do século XVIII), ou, reflexões filosóficas sobre o conjunto da história da
humanidade. Autores como Friedrich Hegel (1770-1831), Auguste Comte (1798-1857)
e Karl Marx (1818-1883) interpretam o processo histórico e procuram por sua
lógica, a racionalidade inerente a esse processo. Uma vez identificada essa
racionalidade, considerava-se possível apontar as tendências principais do
desenvolvimento histórico, e pressupor, assim, os estados últimos a serem
alcançados pela humanidade.
Longe de se esgotarem
com o pensamento histórico do século XIX, as filosofias da história permanecem
no século XX, por meio de autores como Oswald Spengler (1880-1936) e Arnold J.
Toynbee (1889–1975). No final do século XX, uma polêmica percorreu o
pensamento historiográfico, quando o filósofo norte-americano Francis Fukuyama
(1952-), à luz de eventos como a queda do Muro de Berlim e o fim da União
Soviética, escreveu um ensaio intitulado “O fim da história?” (1889, expandido
no livro O fim da história e o último
homem, de 1992). Em sua visão, considerando a filosofia hegeliana da
história, que compreendia o Estado liberal burguês como o último estágio de
desenvolvimento da humanidade (sendo a história uma longa jornada rumo à
liberdade – em sua concepção burguesa), a história teria chegado ao fim na
década de 1990. Derrotada a alternativa do socialismo soviético, o capitalismo
e as democracias liberais burguesas prevaleceriam daí em diante, e nós não
veríamos mais mudanças substanciais na história. Tal posição foi bastante
contestada, e a passagem para o século XXI, com a re-emergência de um olhar
global para diferentes culturas (além da cultura europeia), colocou em questão
uma história universal cuja narrativa era basicamente uma transposição da
história europeia, ou eurocêntrica, ao conjunto da humanidade.
Frontispício da tradução para o inglês da obra al-Muqaddimah, de Ibn Khaldun, por Franz Rosenthal, em três volumes,
de 1958 (Fonte: http://www.muslimheritage.com/article/ibn-khalduns-concept-education-%E2%80%98muqaddima%E2%80%99,
acesso em 30/03/2017)
Entretanto, teleologias e
reflexões sobre a história universal não são exclusivas do pensamento
histórico europeu, ou da modernidade. O historiador islâmico Ibn Khaldun
(1332-1406), nascido na atual Tunísia, na obra al-Muqaddimah (prolegômenos, ou introdução, à história universal),
de 1377, também apresentou amplas reflexões sobre o conjunto do processo
histórico, em particular a respeito da ascensão e declínio das civilizações. Na
época moderna, narrativas históricas teleológicas podem ser encontradas na
América hispânica, Índia colonial e no mundo islâmico, como mostra a coletânea Historical Teleologies in the Modern World
(Teleologias históricas no mundo moderno), organizada por Henning Trüper,
Dipesh Chakrabarty e Sanjay Subrahmanyam, publicada em 2015.
As filosofias da história
respondem a diferentes anseios das sociedades ao longo do tempo, como, por
exemplo, a necessidade de enxergar uma lógica em meio à diversidade do processo
histórico, ao conjunto de eventos que por vezes podem parecer aleatórios ou mesmo
gratuitos, bem como a necessidade de controlar a imprevisibilidade do futuro
fornecendo alguma previsão, alguma visão sobre o que nos espera. Por outro
lado, a necessidade de pensar em filosofias da história e os diferentes futuros
que cada sociedade imagina nos dizem muito sobre essas sociedades. Atualmente, podemos
nos perguntar como nossa sociedade imagina seu futuro, e como nós mesmos
imaginamos a possibilidade de produzir uma grande reflexão sobre o conjunto da
história da humanidade, para entender sua lógica e sondar seus destinos. Ou,
mais ampla e diversamente, como as diferentes culturas contemporâneas
interpretam o processo histórico, e que tipo de futuro essas culturas projetam.
Referências
bibliográficas:
FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Tradução de Aulyde S. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
TRÜPER, Henning;
CHAKRABARTY, Dipesh; SUBRAHMANYAM, Sanjay. Historical Teleologies in the Modern World. Londres: Bloomsbury, 2015.
Prof. Pedro Afonso
Cristovão dos Santos